Amargura, ódio e a noção de que nunca, nunca mais poderá vir a ser feliz como possa ter sido com BH, esta é a situação de Phill, cuja perda está em carne viva, num luto congelado. Seu lugar secreto é também o lugar secreto dentro dele, lugar de encontro com BH, com o qual se relaciona e goza através de fantasias que acompanham sua prática masturbatória. Sua vida parou, seus estudos ficaram para trás, todo refinamento foi abandonado, até mesmo sua higiene pessoal, sua musicalidade se perde numa solidão profunda, e ele se vê continuamente mergulhado em ódio diante de sua impotência face à perda de BH, ódio que destila em seu entorno, sempre sobre os mais frágeis, inclusive sobre animais inocentes, como sua própria montaria.
Peter, o “florzinha”, tinha cabeça e determinação, é o cachorro ao qual se refere o título em inglês, The power of the dog, e que vem a mostrar sua força e seu poder. Submetido à brutalidade xucra de todos aqueles homens que o rodeavam, ele enfrenta seus medos e, calmamente, acaba silenciosamente com a situação de assujeitamento e sofrimento, inclusive com a dor infinita de Phill. Vida que segue. Com a menção a seu amigo, colega de estudo, dá a entender que ele tem condições de vivenciar sua homossexualidade de outra forma.
Phill está imerso em estado melancólico profundo: a sombra do objeto recaiu sobre seu eu. Um pedaço de tecido no qual se vê a inscrição BH, sempre em contato com seu corpo, longe de ser um objeto transicional, é um objeto relíquia, melancólico e mortífero, ao qual ele se agarra e que o mantém em contato permanente com o morto, às custas da paralização de sua própria vida. Ele vive com uma dor intensa, dilacerante, e com a amargura de sua impotência diante da morte de BH, que ele não teve os meios de evitar. Não sabemos o que possa ter-lhe causado a morte, apenas que morreu jovem, como pode se constatar em cena rápida que focaliza sua lápide.
Os pais de Phill se apresentaram frios e distantes, decepcionados com ele, a sociedade, representada pelo governador e sua mulher, se mostra impiedosa, arrogante e cáustica. O cenário desnudo, desértico, árido, parece enfatizar a desolação psíquica e afetiva em que vivem. Durante o jogo de tênis podem ser vistas duas árvores bastante semelhantes, lado a lado, com suas copas bem verdes. Um jogo, há trocas, joga-se mal, se erra mais do que se acerta, mas há um e outro no jogo, com um terceiro que marca os pontos, garantindo as regras do jogo.
Pode-se pensar que Phill identifique pontos em comum com Peter, estudante dedicado, como ele próprio o fora, frágil, retraído, vulnerável. Fá-lo sentar na sela de BH, mostra-se disposto a mostrar-lhe o que lhe foi mostrado por BH, como se buscasse colocar Peter em seu próprio lugar e ser para ele o que BH tenha sido para si mesmo. Trata-se de um jogo de espelhos, numa tentativa absolutamente narcísica, talvez mesmo uma esperança louca, de reencenar a relação vivida e perdida com BH, com Peter em seu lugar.
Há um couro do qual são feitas tiras, essas tiras vêm a ser trançadas e Phill tem a intenção de entregar o produto final desse trabalho a Peter… Lembrei-me de imediato das três Parcas que Phill parecia encarnar, Cloto, Láquesis e Átropos… a fiadeira, a que distribui a cada um a própria sorte e a que dava a morte…
Direção, roteiro, cenários, trabalho de atores, tudo me pareceu impecável neste filme!
(THE POWER OF THE DOG)
Filme denso e intenso, trazendo o sofrimento de Phil ( luto recusado?)em toda a narrativa mas em alguns momentos, Phil tenta amenizar este sofrimento no contato com Peter, porém não é suficiente…
Grata pelo comentário. Trata-se de luto congelado.